Universidade Saint-Esprit de Kaslik

Universidade Saint-Esprit de Kaslik 

Ultimamente, a leitura de livros, artigos, entrevistas, blogs, sites de relacionamentos, reuniões  e outras matérias sobre capoeira, integram o rol das coisas prazerosas que fazem parte da minha rotina. Tenho encontrado excelentes conteúdos, mas o livro Capoeira regional: a escola de Mestre Bimba, me  fez refletir sobre a abnegação dos discípulos do saudoso Mestre que travam uma luta sem fronteiras para não deixar esse legado cair. Aliás como diz o Dr. Hellio Campos "Um povo que cultua a sua cultura é um povo forte que encontra ou reencontra suas raízes e os caminhos que o levam a seu destino, simbolizando no eterno inatingível laço que liga o futuro ao passado. (2008, p. 74)

O livro do Dr. Hellio é uma fonte riquíssima de conteúdo científico sobre a capoeira, fonte de consulta obrigatória, ouso dizer, para pesquisadores, historiadores, autores  e estudantes em geral. Obrigatória para todos os praticantes, cujo mestre teria a missão histórica de não deixar romper o elo entre o passado e o presente, fortalecendo-o com vista no futuro."... é indispensável que ela mantenha suas características fundamentais, absolutamente essenciais à preservação de sua integridade, evitando, assim, que seja de alguma forma contaminada pelo cientificismo, tornando-se desse modo uma matéria árida."(CAMPOS, HELLIO, 2008, p. 109)

O Dr. Hellio revela-se um criterioso narrador do curso da história e esbanja na sua percepção de enxergar o presente pelas lentes da realidade histórica. 

Percebo nessa sua elocubração acadêmica o trabalho que vem realizando o Mestre NENEL, em sua perigrinação pelo Brasil e  pelo mundo, esforçando-se, sem se deixar abater pela pouca oportunidade que teve de acesso ao ensino formal, para fortalecer o elo que sustenta o passado em direção ao futuro, mantendo os fundamentos básicos do trabalho de Mestre Bimba, disseminando-o pelo mundo afora, como um sacerdote, levando a sua crença, a sua fé, com desprendimento, coragem, determinação, humildade e despojamento de bens materias e imunizado contra as tentações do poder. 

É como a ambientalista Dorothy Stang - Pará 2005, que entregou a sua vida para a preservação da vida. 

Onde o espaço lhe fecha ele procura outro; onde há desunião ele prega o entendimento; onde há respeito ao seu trabalho ele valoriza, prestigia, protege, e onde o seu trabalho é minimizado ele se esforça ainda mais para superar suas dificuldades. 

A sua passagem pelo Líbano, em 04.2011, a convite do  Centro de Estudos e Culturas da América Latina da Universidade Saint-Esprit de Kaslik (Cecal-Usek), onde há estudantes que praticam capoeira, demonstra a sua capacidade de enxergar espaços em outras culturas. Demonstra a  convicção de que o elo estará fortalecido quantos mais forem as culturas em que os fundamentos da  capoeira regional se integrarem de forma pura e autêntica. "A tradição do Mestre Bimba, conservada pelo seu filho Mestre Nenel, transmite não só uma técnica esportiva, mas também uma cultura e o trabalho para o desenvolvimento do homem como um todo", afirmou Roberto Khatlab, diretor da Cecal-Usek, que o recebeu. 

Para consolidar a sua expansão ele tem usado a experiência do tempo em que  viveu com seu Pai, assimilando a sua visão sistêmica e criando barreiras estratégicas para proteção do seu trabalho. Desenvolve, como seu Pai o fez, uma estratégia baseada no enfoque que "repousa na premissa de que o seu trabalho é capaz de atender o seu alvo estratégico mais efetiva ou eficientemente que os concorrentes que estão competindo de forma mais ampla" (Porter, Michael. Estratégia Competitiva, 1986, p. 52)

Seu foco é a autenticidade. Dessa forma, diferencia o seu produto. De acordo com Porter, empresas focadas desenvolvem um sentimento de lealdade em seus clientes. A lealdade dos praticantes não é somente ao mestre, mas, e principalmente, ao legado.

E quais são os seus atores, os seus seguidores? Como essa mensagem é transmitida? E a que custo? 

É a fé, é a confiança na missão que tem a cumprir. É acreditar no seu líder, o qual manifesta, por um lado, uma liderança baseada em princípios, desenvolvendo os seus seguidores em apuradas técnicas de resolução de conflitos mas sem descuidar-se do espírito, da alma. 

Em  outra dimensão percebe o seu Pai e Mestre como o seu mentor espiritual, energizando-o com tamanha intensidade que por osmose permeia para os seus discípulos. Embala estes a iniciar uma interminável peregrinação no sentido inverso ao que fizeram, há mais de 400 anos, os povos europeus que aportaram em terras brasileiras trazendo a sua cultura e contribuindo para a organização social e política do nosso País, ainda que tratando de forma desigual e injusta os negros. 

Esse resgate na história - sempre que se fala sobre capoeira reporta-se ao regime escravista - é a simbiose entre as  transformações do mundo contemporâneo e as tradições, os legados que cada grupo social recebeu dos seus antepassados e que internalizam como princípio de vida, perpetuando-o. Cumprem suas tarefas com alegria, não obstante enfrentarem dificuldades de idioma, de costumes, de clima, de distância, de saudades. Mas, vencem, se estabelecem, constituem famílias, tornam-se pequenos empreendedores, mas sem minimizar a sua predestinação, que é o alimento da sua alma e da sua alegria de viver.

A felicidade não é produzida pelo mundo externo, enfatiza Shawn Archor, professor e pesquisador na Havard University, mas gerada pela crença de que somos capazes de mudar as coisas.

Esse tipo de liderança é a que vai se estabelecer nas organizações do futuro, assim vislumbram os grandes pensadores de estratégia organizacional e gestão com pessoas. Josué Menezes - Soló.