quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Evolução da Capoeira no Mundo

Sobre o autor do texto:
Jean Adriano Barros da Siva é professor de educação física e diretor da Associação Cultural G.U.E.T.O. (ASSOCIAÇÃO CULTURAL GRUPO UNIDO PARA EDUCAÇÃO E TRABALHOS DE ORIENTAÇÃO) (www.guetocapoeira.org.br)
Sobre a Associação:
É uma instituição sem fins lucrativos, reconhecida como Ponto de Cultura do Estado da Bahia, que oferece aulas de capoeira, samba de roda, maculelê, percussão, confecção de instrumentos e outras práticas da cultura popular para crianças e jovens que moram em regiões periféricas, com risco social e pessoal, no Brasil e no mundo.






A Evolução da Capoeira no Mundo:
Caminhos de "esterilização" da arte para "fertilização" do negócio.

    Mestre Jean Pangolin


O reconhecimento da capoeira na atualidade se depara com seu mais difícil paradigma, pois a mesma precisa conviver com um processo de transformação que, na maioria das vezes, só justifica-se por parâmetros que negligenciam princípios de ancestralidade, oralidade, aprender fazendo, dentre outros, que são encarados por seus praticantes como ultrapassados e/ou utilizados unicamente nos discursos eloquentes dos ``tiranos comandantes`` disfarçados de mestres. Neste sentido, nos propomos a refletir sobre algumas questões que tentarão nos aproximar de alternativas para dialogarmos com a tão famigerada "evolução" da capoeira, apelidada em nosso tempo equivocadamente de Capoeira Contemporânea.
       Inicialmente quero tratar especificamente da terminologia, que já de início apresenta-se erroneamente, pois faz referência, considerando a grande maioria de capoeiras de senso comum, a um estilo que se distanciaria da Angola e da Regional, propondo uma mescla dos dois estilos anteriores, mesmo convivendo no mesmo período histórico, ou seja, representando uma pretensa evolução técnica e etc. Assim, se desta forma for encarada, seu nome correto talvez devesse ser Capoeira Futuro, Avançada, Espacial.....  Sei lá....  E não Contemporânea, pois isso representa algo que convive em mesmo período.
        Um outro ponto contraditório apresenta-se quando definimos esta nova capoeira "moderna" como algo inusitado, futurístico, pois sua própria origem esteve sempre atrelada no discurso de que a mesma foi forjada a luz da Angola e da Regional baiana e sendo assim, o correto seria dizer que a mesma simplesmente tentou juntar o que vivia separado, fato que representaria uma grande incoerência, pois sabemos que quando investigamos a capoeiragem mais detalhadamente e criticamente, percebemos que o trabalho capitaneado por Bimba e por Pastinha possuíam muito mais semelhanças do que diferenças, pois os mesmos foram fruto da história de um determinado local em um tempo específico.
        Sobre a técnica desta capoeira evoluída, o que temos visto são consequências desastrosas, considerando o grande número de lesões, a violência com pouca belicosidade e ainda as atrocidades com relação à biomecânica dos movimentos, pois estes além de não respeitarem os limites articulares e fisiológicos, ainda propõem uma prática completamente distanciada da estética ancestral da capoeira, visto que os capoeiras deste estilo "evoluído" mais se aproximam de ginastas ou acrobatas de circo com pretensões de luta, transformando o jogo em um espetáculo grotesco, pois não conseguem fazer bem nem a ginástica nem tão pouco a luta.
        A musicalidade na capoeira tem papel fundamental, pois dela se desencadeia boa parte do processo "ritualístico", ou seja, é a partir da musicalidade que os movimentos são executados, os instrumentos são tocados e as cantigas entoadas, contudo atualmente nos grupos intitulados de Capoeira Contemporânea, observamos uma linearidade melódica que não contempla as variantes ancestrais africanas, com letras ceifadas de seu conteúdo para reflexão, que já não cumprem tão bem o papel da oralidade e sua documentação da história humana por contos e cantigas. Assim temos percebido que os instrumentos e as cantigas pouco a pouco tem perdido sua função ritual na roda, pois os praticantes além de não valorizarem e desenvolverem esta parte do aprendizado, não conseguem decodificar a influência da musicalidade na prática, negligenciando o papel fundamental desta no desenvolvimento da roda.
        A ladainha não arrepia mais, o cantador não se emociona, as cantigas não tratam do universo simbólico da capoeiragem e ainda a forma de cantar tem sido "plastificada" e embalada para vender, criando um exército de cantadores "cópias de alguém famoso", e se não bastasse isso, as pessoas ainda não conseguem perceber que o mesmo acontece por toda parte no modo de produção capitalista, pois todos querem parecer com os modelos vendidos pela mídia, idiotizados pela propaganda e aumentando o lucro dos "grupos produto", como um grande Big Mac vendido na esquina de qualquer grande centro.
        Em relação aos aspectos filosóficos, temos nosso maior abismo, basta observar os bonecos de vídeo game que representam os capoeiras, sempre musculosos, com movimentos robóticos, com uma negritude estereotipada, e ainda com golpes previsíveis e não característicos, negando os fundamentos difundidos pelos antigos mestres da Bahia.
        Soma-se também a este conflito simbólico uma serie de situações organizacionais nos grupos de capoeira, aproximando-os administrativamente de empresas e distanciando cada vez mais das práticas humanas e necessidades da capoeiragem em sua trajetória, pois os mestres se transformaram em patrões, as rodas em shows, o conhecimento em produto de venda, as pessoas em números de matrícula e sua filosofia em trabalhos acadêmicos de pessoas que nunca sujaram as mãos fazendo Aú..... 
        Lamentável, mas esta tem sido a realidade que tenho encontrado em muitas partes do mundo em nossas viagens com a capoeira, e para piorar, se não bastasse tudo isso, tenho percebido, com o passar dos anos, que os poucos cabelos que ainda me restam estão ficando brancos e que a grande parte dos capoeiras acreditam que nossa arte esta em seu curso natural, como se alguma força alienígena controlasse estas mudanças, não sendo necessário refletir sobre as mesmas e só segui-las.
        Quero propor com estas palavras, que não são verdades absolutas e sim um desabafo ingênuo de um capoeira da Bahia, que existem sim alternativas e estas estão ao alcance de todos aqueles que investigarem a matriz ancestral da capoeira e seus representantes mais antigos, observando a forma como jogam, sua fala, como lidam com os instrumentos, seus códigos filosóficos e acima de tudo como vivem, mesmo não fazendo parte do espetáculo futurístico da Capoeira Contemporânea.
        Sugiro uma busca na década de trinta e seus princípios metodológicos para trato com a Educação Física, pois lá encontraremos as bases desta dita capoeira evoluída, comprovando que a mesma não possui nada de moderno e sim uma adaptação mal feita para na atualidade atender as demandas do capital, considerando a dicotomia corpo/mente e o processo de adestramento pelas seqüências de ensino idiotizantes, atrofiando o senso crítico e favorecendo o negócio dos mega grupos e seus mestrões.
        Despeço-me pedindo força ao Grande Arquiteto do Universo e perdão pela possibilidade de minhas palavras ofenderem camaradas ainda não despertos para as armadilhas desta capoeira mercadorizada, espetacularizada e muito distante das necessidades de aprendizado para evolução da humanidade.
Mestre Jean Pangolin
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Um comentário:

comprido disse...

Concordo 100% com sua abordagem e visão em relação a essa (provavél) evolução da capoeira. Principalmente essa questão da contemporanidade, pois todos nós somos contemporaneos!

Axé

Professor comprido( Filhos de Bimba Escola de capoeira)