terça-feira, 6 de novembro de 2012

DIÁRIO DE UM CAPOEIRA



NARRATIVA I - VIAJANDO PELO MUNDO DA CAPOEIRA
Josué Menezes - Soló



A capoeira está tão presente na nossa vida, que ao conhecer um pouco da sua história ficamos fascinados, e nos envolvemos por uma intensa curiosidade em conhece-la no seu dia-a-dia, os bastidores.
Os grupos, as associações, as variações da arte/luta que estão sendo disseminadas, o nível de organização, as linhagens dos grandes mestres, especialmente Mestre Bimba e Mestre Pastinha, seus discípulos, o que pensam os mestres atuais, as Federações e Confederações, as instituições internacionais,  o interesse que a capoeira vem despertando por entidades ligadas a outras atividades físicas, a história oficial e a oralidade, comparar as diferentes fontes, correlacionar, enfim, conhecer, apenas conhecer.

Viajei para Amargosa-BA no dia 07.09.2012 com a finalidade de assistir a evento promovido pelo grupo GUETO, realizado na Câmara Municipal. Comigo a Turma de Bimba, da qual faço parte: Agulhão, Boinha, Cafuné, Chapéu Vermelho, Ligeirinho,  Piloto, Pulinho e Rosa Rubla. 


Pulinho, Cafuné, Ligeirinho, Chapéu Vermelho, Soló, Boinha, Agulhão e Piloto.

Amargosa é um município com 35.000 habitantes, distante 238 Km de Salvador. Ocupa uma região que até meados do século XIX era domínio dos índios Karirís. A cidade  recebeu forte influência da imigração européia, representada pelos italianos, espanhóis e portugueses, o que é visível nas construções ainda existentes. Os afrodecendentes também contribuíram para o desenvolvimento da região, exercendo atividades na cultura do café. A marca desse povo é manifestada na religiosidade, nos ritmos musicais e no folclore. Amargosa é destino obrigatório para as festividades de São João, data mais comemorada na Bahia.

Fomos reverenciados pelos organizadores do evento e pelos mestres presentes, estes de diferentes matizes. Percebi o quanto o nosso Mestre é respeitado e isso manifesta-se pela atenção e pelo carinho que nos é dedicado. Consideram a Turma de Bimba como "relíquias vivas" da capoeira, assim se pronunciaram, tamanha é a áurea que sobre ela coloca, como se fosse a representação da memória de Mestre Bimba. Assim eu me senti.

ROSA RUBLA com MESTRA BRISA


A solenidade na Câmara Municipal, conduzida pelo mestre Jean, abordou temas polêmicos a exemplo da grande discussão que está mobilizando o mundo da capoeira, no Brasil: a sua regulamentação pela Federação de Educação Física.
O grupo GUETO, promotor do evento, apresentou as  linhas básicas do projeto de pesquisa que está desenvolvendo com a participação da Universidade do Recôncavo, que tem como objetivo geral "Sistematizar dados da realidade a partir da pesquisa no campo da cultura corporal, focando a metodologia das lutas, a capoeira e a educação inclusa". O trabalho considerará as seguintes linhas de pesquisa: Africanidades e educação; Capoeira, lutas e inclusão; Epistemologia e educação física;  e Jogo, brinquedo e brincadeira na educação.
Percebi, o quanto a capoeira é democrática, onde todos  colocam com espontaneidade seus propósitos, ainda que diferentes tendências e posições façam parte da platéia, onde os pontos de vista divergentes são respeitadas e democraticamente discutidos, onde a magia da roda faz esquecer tudo, tudo mesmo, o que importa nela é soltar o corpo e se deixar levar pela ginga e pela malícia.
Percebi ainda, que a capoeira é a representação do caos, um fenômeno caótico, e por essa razão ela sobrevive. A teoria define Caos como um padrão de organização dentro de um fenômeno desorganizado, ou seja, dentro de uma aparente casualidade. 
Nesse modelo de organização, a introdução de pequena mudança pode provocar cenários caóticos, mas que depois, casualmente se organizam.
Muitos mestres do passado pensavam assim, e muitos dos que eu conheço hoje, também pensam dessa forma.
Ainda naquela noite, numa bem cuidada praça, a roda se formou. Os toques dos berimbaus envolviam todos numa mesma transe, com as duplas se revezando e gestos e movimentos se projetando com harmonia, com elegância, com destreza.




A Turma de Bimba, assistia, com naturalidade, sem participar da roda. Talvez, inconscientemente estivesse obedecendo a uma máxima da sua linhagem: a capoeira não é para ser jogada na rua, justificando para si próprio, cada parte do todo, como eu  pensei.


Permanecemos por algum tempo e nos afastamos do coreto. Encontramos um bar aberto na Praça do Bosque, onde acontecem os eventos de grande porte, como o São João, e lá nos sentamos  para jogar conversa fora. No decorrer do bate papo comentei sobre o quanto fomos bem recebidos pelos mestres da capoeira angola e justamente quando eles estavam se divertindo na roda, nós os ignoramos, não participamos da roda, exceto Boinha, e nos afastamos do coreto. A resposta veio de pronto: “capoeira regional não se joga na rua”. 

Para mim, assunto encerrado.

Em casa, contemplando o verde que ainda resta e o azul do mar, minha mente resgatou o episódio e me levou a um mergulho na história. Era isso mesmo, concordei. A capoeira regional lutou pelo reconhecimento da manifestação, a fim de que ela saísse das ruas, e, não seria ela, a estar nas ruas. Para aquele tempo, seria incoerência estar nas ruas, esmaeci.

Mas, neste exato momento, você vive em um mundo plano, onde não há mais fronteiras, onde a noticia “voa na velocidade do pensamento”, citando Bill Gate, onde as inter-relações se processam por múltiplos vetores, porque ainda estamos presos nesse viés que já se diluiu com o tempo? Foi a grande questão que me ocorreu.

Ainda na conversa de botequim, outro tema, a capoeira combate, ensejou discussão. No pensamento dos que participavam do bate papo, a capoeira no ringue perderá a sua essência e se descaracterizará, em conseqüência das regras que serão necessárias para os embates. Ela ficará engessada, perderá o brilho e o encantamento e se distanciará das suas raízes. A violência nas lutas atrai espectadores de todas as idades, argumentavam, e, nas escolas e academias, somente se praticará a capoeira sob a forma de combate, ou como era conhecida nos séculos XVIII e XIX, segundo o pesquisador Maciel de Aguiar: "apercebimento de guerra". Mortes poderão ocorrer devido a sua combatividade e ela voltará a ser proibida. Contudo, alguns admitiram que essa é uma direção inexorável. 

Não é nenhum desatino imaginar, a capoeira, na sua origem, em forma de combate, e, se há comprovação histórica, isto é, que a capoeira era a única arma de combate que os negros fugidos tinham, certamente que ela foi concebida para o embate, para a luta, tal qual era chamada: “luta travada” e “apercebimento de guerra”. Quem tem acompanhado a publicação de trecho da entrevista concedida por Teodorinho Trinca-Ferro, ao pesquisador e escritor Maciel de Aguiar, já publicado neste BLOGBIMBA, pode também estar tendo essa mesma sensação.

Em recente conversa, Mestre Boinha lembra que lá pelos anos 60, durante aula rotineira, ouviu do próprio Mestre Bimba que a capoeira era de luta, de combate, com murrada, cabeçada, pesada, e não de exibição, mas sim de defesa pessoal, do seu corpo. Essa capoeira que se joga nas ruas  não pode oferecer defesa. Como é que vai se defender de uma paulada, de um chute, da agressão, jogando daquele jeito, daquela maneira, referindo-se à capoeira angola. 
"Antes da criação do método regional não existia na Bahia nenhum método de aprendizado, tendo Mestre Bimba o criado em torno de 1928, chamando de capoeira regional, passando a outra forma a ser conhecida, lá pelos anos 40,  como capoeira de angola", diz Mestre Boinha.


Do meu ponto de vista, a capoeira está se estruturando em quatro abordagens, as quais, ficam mais nítidas quando se olha sob a lente da sociologia: a capoeira como manifestação cultural, preservando toda a sua espontaneidade e riqueza dos rituais;  a capoeira como indutora da sociabilização, atuando nos segmentos menos favorecidos, desenvolvendo ações sociais e profissionalizantes; a capoeira combate, essa sem nenhum compromisso com a história, praticada em centros bem aparelhados, atraindo um segmento social específico, com recursos da iniciativa privada e com feição mais empresarial. Será a re-edição do "guerreiro brasileiro" como eram chamados, principalmente na Marinha e no Exército, os capoeiristas que em 1865 lutaram na guerra do Paraguai; finalmente, a capoeira espetáculo, com seus saltos mortais duplos, triplos e acrobacias variadas na medida da habilidade de cada acrobata.





FOTO DOS MESTRES


A próxima parada foi Itacaré-BÁ, em 10.09.2012.




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Uma narrativa pode aparecer em forma de conto, novela ou romance. 
Para que haja narrativa é necessário que haja também um acontecimento, que pode ser social, político, econômico, cultural ou religioso,  e o narrador, contando a sucessão desses mesmos acontecimentos. 
Uma narração apresenta: a) Uma seqüência de fatos (enredo);  b) Personagens (que vivenciam os fatos);  c) O lugar onde os fatos ocorrem (espaço ou cenário). 

Para não cansar o nosso leitor, cada narrativa será apresentada com até 1.000 palavras, publicada sem compromisso temporal, acompanhando a viagem do autor.Tais narrativas pretendem ser dinâmicas. 
Sendo as pessoas citadas, os eventos e os fatos ocorrências reais, sempre haverá a probabilidade do acontecimento, do cenário e das circunstâncias em que cada personagem for inserido, ser apresentado sob um prisma diferente do percebido por seus protagonistas. Entendido dessa forma, utilize o espaço para comentários ao final de cada publicação ou nos contate através do endereço abaixo que procederemos com as atualizações julgadas pertinentes.

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