sexta-feira, 28 de setembro de 2012

TEODORINHO TRINCA-FERRO - 1ª partição



Prezados leitores do BLOGBIMBA.

Agradecemos o seu retorno ao BLOGBIMBA para conhecer aspectos da nossa história não contemplada na historiografia oficial.


TEODORINHO TRINCA-FERRO, pag. 23-26
Encontro de Maciel com Teodorinho Trinca-Ferro
Texto reproduzido com autorização do autor.


TEODORINHO TRINCA-FERRO
Acervo: Maciel de Aguiar


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Havíamos nos reunidos em outras ocasiões, desde 1966, mas a ultima vez que o vi, em meados de setembro de 1980, já centenário, foi inesquecível. O encontro foi promovido por Zoroastro Valeriano Rodrigues, o Soberano Imperador da Mauritânia, mestre da Marajuda e morador da localidade de Droga, no sertão de São Mateus, depois do recado: “O veio tá esperando o sinhozinho pra falá da luta da Angola”.
Para chegar ao local, era necessário o auxílio de um guia. A região havia sido ocupada por grandes fazendas ― inclusive as de reprodução de escravos. Após 1967, uma empresa reflorestadora havia adquirido a maior parte dessas terras para o plantio de eucalipto, deixando-o ilhado, numa pequena gleba: uma casinha de pau-a-pique, uns roçados de milho , feijão e mandioca, e as criações soltas.
No dia marcado, chegamos à porteira de sua pequena propriedade, depois de quase uma hora de viagem a partir do Centro de São Mateus, passando pelas imensas “avenidas” de eucaliptos. Logo avistamos aquele negro alto, de mais de um século de existência, no “cabo da enxada”, na preparação da terra para o plantio de mandibas, “pra continuá sobrevivendo, até o dia em que Deus quisé, meu sinhô” ― recebeu-nos com prazer e cordialidade.
Após outros assuntos, iniciamos a conversa sobre a capoeira. Teodorinho, ainda com a agilidade que o século de existência não conseguia acabar, contou passagens de sua vida. Depois balançou o corpo na ginga da luta, querendo de imediato demonstrar como eram os golpes: as mãos sempre espalmadas, os braços longos em movimentos ― ora de fora para dentro, ora de dentro para fora ― com malícia e destreza surpreendentes.
O movimento sincronizado do corpo de mais de um século e a flexibilidade das velhas articulações foram coisas que logo nos impressionaram e nunca esquecemos. Chamou Agenor Evangelista, que também nos acompanhava, à luta, enquanto Zoroastro marcava a cadencia com as mãos “batendo liquaqua”
Evangelista, que tinha a metade da sua idade, estava frente a frente com o lendário Teodorinho Trinca-Ferro, há décadas temido pela precisão dos golpes da Angola. Sem conhecer os segredos do “apercebimento da guerra”, Agenor quase foi ao chão, com uma Meia Lua - rasteira indefensável. Depois veio uma Chapa de Frente. Desta vez não resistiu.
Após a queda, Teodorinho quis deixar claro a seus visitantes que a luta era para valer e não para brincar: “Não é pra demonstração”. Segundo ele, “isso é coisa de gente que qué acabá com a luta travada, gente que não sabe nada desse assunto, que vive se mostrando nas praças como um teatro. Angola não e pra isso. É pra defesa e ataque. Quem pode mais chora menos” ― dizia.
Segundo Trinca-Ferro, a capoeira “de brincadeira é pra quem não tem o que fazê”. Se alguém o chamasse para a “luta travada”, sabia que, se descuidasse, podia até morrer. Não tinha brincadeira. Levava uma Chapa de Frente, uma Cabeçada ou um Rabo-de-arraia. Se o “freguêis não tivesse preparo, podia ir pra cova” ― afirmava, convicto.
O século de existência não havia tirado daquele velho quilombola o principal fundamento do espírito da “luta”. E esse fundamento provavelmente tinha vindo da África distante, trazido dos porões dos navios, na imaginação dos negros, ao se recordarem dos animais em luta pela sobrevivência. Era assim que se sentiam: “Animais em feitio de gente que vinha pra fazê a fortuna dos brancos”.
Aquela “arma”, com certeza, vinha das lembranças dos tempos de liberdade dos seus ancestrais, nas savanas africanas, sendo indispensável a sobrevivência dos escravos que iam enfrentar um inimigo feroz e implacável: o sistema escravocrata que se implantava no Brasil.
 O Mestre Teodorinho trazia a mesma disposição dos anos em que desafiava os feitores, capatazes e polícia. Praticava a “luta travada” desde criança. Aprendera com “os velho, antes da Abolição da escravatura”, principalmente com os escravos fugidos. Lembrava-se de alguns deles, “gente que enfrentava a força e o capitão-do-mato com os golpe das mão e dos pé, e que também tinha o corpo fechado na Cabula” ― contava.
Rememorava, ainda, de seu tempo do Quilombo do Morro. Não conheceu mãe nem pai, que eram “nação ― assim chamados os nascidos na África ―, acrescentndo que, desde que se entendeu por gente, “vivia pelos mato, com os bando dos negro fugido, rapazola ainda”― dizia.

      Dos antigos, com quem aprendeu a “mandinga”, recordava-se de alguns, cujas reminiscências transformavam-se em diversos causos que sua memória privilegiada sabia resgatar: “Zé Pequeno, Boca Preta, Mão de Onça, Calango, Dez Pedaços, Hilário Braúna, Jacaré, João Quebra Coco, Negro Saci, Manoel Mata Onça, Corre Diabo e Clementino Coice de Mula” ― citou sem pestanejar.


Acompanhe no BLOGBIMBA a 2ª partição.


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