quinta-feira, 30 de agosto de 2012

FESTA DA CAPOEIRA 2012

Soló, Camisa Roxa e Pulinho, na III Festa da Capoeira Roda Mundo

A Festa da Capoeira Roda Mundo teve o seu início no ano de 2010. Um grupo de capoeiristas sob a coordenação do mestre Camisa Roxa, reunidos na Fundação Mestre Bimba - FMB, Forte da Capoeira, deliberaram pela realização de um evento que se repetisse a cada ano e que passasse a fazer parte do calendário de festas em Salvador. Neste ano realiza-se a terceira.
A festa sempre é encerrada com um discurso sobre a capoeira. Neste ano o Diretor Geral da FMB, Soló, discorreu sobre o tema.

Discurso de encerramento da Festa da Capoeira 2012

Prezados amigos, bom dia!

Inicialmente agradeço ao Mestre Camisa Roxa pela distinção que me foi concedida para realizar o encerramento desta brilhante festa, a qual já se estabelece como um evento do calendário de festas com a temática Capoeira.

Represento, nesta oportunidade, a Fundação Mestre Bimba, entidade instituída em 21/09/1994 pelos alunos do saudoso Mestre, com a finalidade de preservar e difundir a obra de Manoel dos Reis Machado, Mestre Bimba, e o seu legado cultural africano. 

Tem por objeto também, realizar pesquisas, conferencias, cursos, seminários, intercâmbio cultural, publicações, exposições e outras atividades correlatas no campo da capoeira, da sua história e da cultura africana na Bahia.

Prezados amigos,

Quando fui honrado pelo convite formulado pelo Mestre Camisa Roxa, meu pensamento voltou-se para o inicio dos anos 60 quando tinha 14 anos, portanto há 49 anos, quando iniciava, juntamente com um grupo de 9 pré-adolescentes do bairro do Engenho Velho de Brotas, o aprendizado da capoeira, sem compreendermos a grandiosidade daquela iniciativa.

Desse grupo, somente dois se formaram e até hoje permanecem praticando-a. Eu, que recebi o nome de SOLÓ e Boinha, nome bastante conhecido dos senhores. Naquela época só ouvíamos falar nos nomes de mestre Pastinha e mestre Bimba. A capoeira transitava em torno desses nomes e todos os que a praticavam eram chamados de alunos.

Hoje, compreendemos o quanto a nossa percepção era limitada, ao não enxergar que o movimento já se expandia. 

Hoje compreendemos o alcance de uma frase que era repetida pelo nosso mestre: "a capoeira vai se espalhar pelo mundo".

Hoje compreendemos que fomos espectador e protagonista de um período de ouro da capoeira. 
Espectador privilegiado por ter convivido com grandes nomes do Centro de Cultura Física Regional, muitos dos quais aqui presentes, que nos deixava extasiado com a maestria exibida quando treinavam e quando se exibiam nos eventos culturais, chamados à época de show folclórico.

Protagonista porque tive o privilegio de também participar dos treinos e dos eventos culturais, conviver com essas pessoas que até hoje admiro pelo que foram na pujante juventude e pelo que são, mercê do trabalho que realizam em beneficio da capoeira.

Amigos capoeiristas.

Hoje, também compreendemos que a capoeira está no mundo. Que os nomes dos  mestres do passado, Bimba e Pastinha, são pronunciados em mais de 150 países.

Hoje compreendemos que foi o trabalho desbravador dos seus alunos que espalhou os seus nomes pelos continentes, juntamente com as suas artes.

Aí está a razão do respeito e da admiração que tenho por esses discípulos. 

Disseminaram a arte dos nossos mestres mantendo a essência e a lealdade com os princípios, preservando suas canções e a nomenclatura dos movimentos na língua portuguesa. 
Os aspectos lúdicos, esportivo, cultural, educacional, artístico, folclórico e marcial, são ensinados conservando-se os fundamentos e originalidade a partir de suas raízes no Brasil e em particular na Bahia.

Segundo a Organização das Nações Unidas há 192 países no mundo e o Escritório Internacional de Capoeira e Turismo apresentou em 2010 o mapeamento de grupos de capoeira no mundo, revelando que ela está presente em 162 países e considera um dado relevante o espirito empreendedor desses grupos  na medida em que fabricam seus próprios produtos, como pandeiros, berimbaus, CD, vestuário e outros correlatos.

O Ministério de Relações Exteriores tem catalogado  531 academias de    Capoeira em 69 países. Se mantivermos essa mesma proporção, isto é, 7,7 instituições por país, matematicamente podemos concluir que existem nos 162 países 1.246 instituições que ensinam e praticam a capoeira.
São fundações, federações, associações, grupos, centros culturais, institutos, colégios e escolas, lideradas por mestres, contra-mestres, graduados, mestrandos e professores.

Estamos no melhor dos mundos? Penso que não.


Essas instituições operam na individualidade, criam as suas normas e regulamentos, proliferam as graduações e o arco íris de cores, dificultando o desenvolvimento de uma norma geral, aceita e universalizada, e isso obsta a sua expansão  ordenada.
Obsta a sua inclusão nas olimpíadas, obsta a obtenção de patrocínios. Empresários não investem em iniciativas desorganizadas, onde não haja planejamento, sem identidade clara e visibilidade, sem um órgão aglutinador por onde emanem as orientações e procedimentos, que tenha credibilidade, aceitação e respeito de toda a comunidade. 

Observemos o futebol. As regras são universais, aceitas e respeitadas. Milhões de dólares transitam em torno desse esporte. 


Grandes nomes da capoeira com trânsito internacional já enxergam esse cenário e nas oportunidades que têm manifestam suas preocupações. Acreditam que através da capoeira podem contribuir para a realização de  mudanças nas vidas das pessoas. Nas suas andanças pelo mundo perceberam que a capoeira une os contrários, pacifica os rivais, quebra as barreiras dos idiomas, consegue no momento mágico da roda promover a igualdade social, racial, religiosa e tantos outros preconceitos que assolam nossa pobre humanidade.

Essa é a sua força, sua magia, seu poder.
Mas, infelizmente, essa visão não alcança 99,9% dos capoeiristas espalhados pelo mundo.

Esse é o cenário que enxergamos no mundo globalizado.

E internamente, como estamos?

Vislumbro um cenário com as mesmas dificuldades apontadas ao redor do mundo. 
Com mais um agravante:
Entidades que nada têm a ver com a capoeira buscam interferir na sua organização e ditam normas para os Mestres com saberes acumulados por mais de 50 anos.

Em evento realizado em Itaberaba, julho deste ano, pela ONG Fundação Paraguaçu, Mestre Curió, com a autoridade que lhe confere o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do México, o título de mestre dos Saberes, pelo MEC, e de Embaixador da Cultura Brasileira, pela ONU, condenou o que pretende os conselhos de educação física ao exigir curso de educação física para o Mestre de Capoeira.  
Quando se quer exigir tais formalidades para o antigo mestre, aquele que aprendeu  com a vida e com a vivência, esta tese ganha adeptos e nela eu me incluo.
Antes de tais aberrações, transformadas em lei de nº 9696/1998, a qual estabelece que qualquer academia tem por obrigação dispor de profissional de educação física, deveriam estudar os países com tradições bem mais antigas, como a China em relação ao Kung Fu, onde os mestres vivos são considerados, pelo poderoso Estado Chinês, jóias da cultura chinesa. Presumo até que são mantidos e têm a proteção do Estado.

Poderíamos orgulhosamente dizer: mas a capoeira é patrimônio nacional. Essa afirmação é verdadeira, contudo, objetivamente, quais benefícios tem trazidos para os Mestres dos saberes? Ao que eu saiba, nenhum. O que eu observo, pelo menos da leitura que faço em jornais e revistas de grande circulação no nosso país,  é que cantores se promovem, políticos se projetam, artistas de diferentes matizes ganham polpudos patrocínios governamentais, tudo sob o manto da capoeira como patrimônio nacional. 

A Fundação que represento, apresentou projeto ao MinC em 2010, para inclusão social de trezentos menores através da capoeira, com um orçamento de R$74.400,00 e a última posição informada pelo MinC, datada de 09/08/2012, foi um lacônico "encaminhado para análise técnica".

Um outro viés que indica a necessidade de uma unidade é questão simples, ao meu ver, contudo, ainda não se estabeleceu consenso. Me refiro a data Nacional ou Internacional da Capoeira e do Capoeirista.

A Federação Internacional de Capoeira, reunida com seus países membros em Baku, República do Azerbaijão, tendo como presidente um brasileiro, instituiu como 05/07 o Dia Mundial da Capoeira.

No Brasil, deliberou-se como 15/07 o Dia Nacional da Capoeira, por ser a data em que o MinC tombou a capoeira como patrimônio nacional e o comitê olímpico a reconheceu como esporte olímpico.

Tramita um projeto de lei de nº 2858/2008 apensado aos projetos 50/2007 e 5222/2009 que prescreve no art. 10: "fica instituído o Dia Nacional da Capoeira e do Capoeirista a ser comemorado anualmente em 12/09". Contudo, nessa mesma casa legislativa, consta como data oficial o dia 03/10 e 03/08 como o dia do Capoeirista.

Pergunta: a nossa data é 05/07, 15/07, 03/08, 12/09 ou 03/10?

Pode ser que esse seja até um assunto resolvido, mas na pesquisa que fiz a confusão permanece.

Observamos que internamente, além dos aspectos que assolam o mundo globalizado, temos os gerados no nosso território.

Contudo temos muitas coisas positivas sendo construídas e realizadas. 
O que precisamos é conectá-las. 
Precisamos assumir a dianteira nesse movimento e tentar aglutinar os organismos ao redor do mundo.

Os ícones da capoeira, Bimba e Pastinha, desenvolveram a capoeira na Bahia. Daqui ela se irradiou para o Brasil e para o mundo. Os grandes mestres que hoje atuam no cenário nacional e internacional saíram do território baiano. Suas lideranças são incontestáveis. Formaram entidades conhecidas e respeitadas. Desenvolveram discípulos que já têm plano de vôo próprio.
Essas lideranças, juntas, reúnem um poder de persuasão e de convencimento capaz de reordenar a capoeira no mundo.
Esse será o legado que essas lideranças, muitas das quais aqui presentes, deixarão para as gerações futuras.

Para finalizar, com humildade de propósito e alegria no coração, agradeço a oportunidade que me foi concedida. M.O.

Menezes - SOLÓ 







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