domingo, 23 de setembro de 2012

TEODORINHO TRINCA-FERRO

 
Mestre Teodorinho Trinca-Ferro 
ÁfricaBrasil Museu Intercontinental
Escultura em tamanho natural

Quem se interesa pela história da capoeira, não pode deixar de acrescentar ao seu roteiro de visitas uma passagem pelo ÁfricaBrasil Museu Intercontinental, onde irá conhecer milhares de peças originais de tribos africanas que aqui aportaram nos séculos XIV  a  XVII, reunidas ao longo dos últimos 30 anos pelo pesquisador Maciel de Aguiar. 

O gosto pelo tema vem da sua infância, pelas narrativas do seu avô ao qual acompanhava nas cavalgadas pelas trilhas utilizadas pelos negros fugidos, relembrando as lutas da sua bisavó paterna, Clara Maria do Rosario, ex-escrava que se notabilizou por escutar as conversas dos senhores feudais e ler as noticias dos jornais para manter informados os quilombolas. Participou ativamente do Movimento Abolicionista o que lhe custou a vida ao ser emboscada em 1890.

O Museu ÁfricaBrasil está localizado no Sítio Histórico do Porto de São Mateus, extremo norte do estado do Espírito Santo, limite com a Bahia, distante 990 quilômetros de Salvador. 
Essa região, denominada Vale do Cricaré, sofreu forte influência cultural e econômica do estado da Bahia em razão de haver sido incorporada pela Capitania de Porto Seguro em 1764, a qual adicionou aos seus limites  a Vila Nova do Rio de Sam Matheus, transpondo os limites originais da Capitania do Espirito Santo, situação que somente veio a ser corrigida em 1926. 

Visitando o Porto de São Mateus, observa-se grande semelhança com o Centro Histórico de Salvador, com suas divisões em cidade alta e cidade baixa e arquitetura similar, incluindo uma praça denominada Praça do Chafariz, onde havia um pelourinho de massaranduba. 

Maciel de Aguiar destaca que devido ao favorecimento das correntes marítimas, o Porto de São Mateus era o mais movimentado no tráfego entre a Africa e o Brasil. Acrescenta que apesar do comércio ilegal de pessoas haver sido proibido desde 1850, somente em 1856,  com a abordagem da escuna Mary Smith, na embocadura do rio Cricaré, colocou-se um ponto final na importação de escravos. Esses dados são comprovados por registros existentes nos cartórios de São Mateus.

Portanto, com a grande movimentação de negros procedentes de Angola, nesse porto predominava a forte influência da cultura africana e, nesse contexto, surge o que se denominava “luta travada” ou “apercebimento de guerra”, como era chamada pelos africanos que habitavam a região de Cricaré.

Maciel de Aguiar na sua coletânea HISTORIA DOS QUILOMBOLAS, série com 40 edições, lembra que os 300 anos de escravidão na região produziram “inúmeros personagens que passaram ao esquecimento por ação das elites historiográficas”.

Teodorinho Trinca-Ferro, nasceu em 1871, concebido no mato e abandonado por sua mãe, escrava, para ser encontrado por escravos fugidos, em razão dos feitores matarem as crianças para que as mães-negras não perdessem tempo com seus filhos, uma vez que estes já nasciam livres, beneficiados pela Lei do Ventre Livre (28.09.1871)

Em 1966, Maciel de Aguiar, encontrou-se com Mestre Teodorinho na região de Droga, sertão de São Mateus. “O véio tá esperando o sinhozinho pra falá da luta da Angola”, disse ao articulador do encontro, Zoroastro Valeriano Rodrigues, Mestre da Marujada, morador da região.

Com autorizacao do autor, a FMB irá divulgar, em primeira mão, todo o diálogo mantido entre Maciel de Aguiar e o Mestre Teodorinho. 

São relatos preciosos de parte da nossa história não registrada, mas, de valor incomensurável. São conhecimentos resgatados, através da oralidade, graças à memória dos que participaram da resistência ao regime escravocrata.

A FMB, cumprindo o seu preceito estatutário, está em negociação com a instituição AfricaBrasil Museu Intercontinental, com a finalidade de estabelecer parceria no campo da pesquisa, objetivando resgatar a história que foi retirada dos registros oficiais por ato do então ministro Rui Barbosa que baixou resolução em 1890, determinando que “todos  os papéis, livros e documentos existentes nas repartições do Ministério da Fazenda, relativos ao elemento servil, matrículas de escravos, dos ingênuos, filhos livres de mulher escrava e libertos sexagenários, que deverão ser sem demora remetidos a esta capital e reunidos em lugar apropriado na Recebedoria...que procederá à queima e destruição imediata deles”.

Sem desmerecer as qualidades intelectuais do Ministro e os serviços prestados ao Brasil, esse foi um grande equívoco.

Trecho da conversa:

... a capoeira "de brincadêra é pra quem não tem o que fazê"

Acompanhe as próximas publicações sobre o assunto, no BLOGBIMBA.

2 comentários:

Anônimo disse...

Incrível este Museu. E o livro é excelente. Quando comecei a ler tive que ir até o fim.

Unknown disse...

Muito bom ver esses relatos por aqui.
Sou de São Mateus, capoeirista, conhecedor da história e tive o meu primeiro contato com a capoeira no Sítio histórico Porto de São Mateus!